D. Isaura, colaboradora da Casa do Gaiato de Setúbal, que faleceu no passado mês de Maio. |
Muitas
vezes me têm pedido para contar como e porquê entrei para a Casa do Gaiato, e
para a Casa do Gaiato de Setúbal, já que vivia próximo da Casa do Gaiato de
Miranda do Corvo.
«Porque escolhestes o Gaiato e a Casa
de Setúbal?»
Depois
da morte do meu Pai fui viver para Miranda aos cuidados de uma família amiga e
na sua companhia frequentava a Casa do Gaiato, ia lá a várias celebrações.
Depois
do falecimento de Pai Américo, estaria eu entre os dez ou doze anos, fui lá a
uma Missa Nova. O movimento e alegria dos rapazes nos preparativos e a própria
celebração foram lindos! Lembro-me de andar no meio dos apertões para beijar as
mãos do sacerdote... Não foi fácil... de repente senti que fui puxada... o sacerdote
tinha reparado na
dificuldade de uma menina franzina. Aconchegou-me a ele, fez-me carícias na
cabeça e na face, beijou-me e deu-me as suas mãos a beijar. Aquele gesto do
Sacerdote nunca mais foi esquecido na minha vida! Muitas vezes procurava e
esperava encontrá-lo, mas nunca mais o vi.
Mais
tarde, quando tinha 17 anos, vim a uma Missa Nova a Vila Seca, minha paróquia
de origem. Num determinado momento do sermão, o novo padre fez um apelo às
raparigas cristãs para que nas suas orações pedissem a Deus, que ao casarem lhes
concedesse um filho sacerdote ou ainda que através da oração
"adoptassem" um sacerdote que conhecessem ou algum que tivesse
maiores dificuldades. De imediato pensei naquele Sacerdote da minha infância,
talvez um dia viesse a reencontrá-lo e conhecê-lo.
Começou
a minha juventude integrei-me em diversos grupos e actividades culturais e de
apostolado, na paróquia de Miranda e mesmo no âmbito da diocese (liturgia,
catequeses...) e recomecei a estudar à noite.
Mais
à frente pensei que a minha vida tinha que dar uma volta e fui ter com o Padre
Horácio, (responsável pela Casa do Gaiato de Miranda) dizer-lhe da minha
vontade de integrar a Obra e vir para a Casa do Gaiato, mas ele disse-me que
não... que eu estava muito envolvida na paróquia e com trabalhos na diocese, que
os Padres iriam sentir a minha falta e pensar que tinha sido ele a puxar-me
para outra missão (ele conhecia-me e sabia que a diocese tinha apostado na
minha formação, também financeiramente, e que estava também depositada
esperança para o meu trabalho na formação na catequese) disse-me também que ia sentir-me
dividida ao ver a falta que fazia nas tarefas que
desempenhava até ali, e que não podia estar nos dois lados.
A
partir desse momento fiz um corte radical com toda a
Obra da Rua. Deixei tudo: de frequentar a casa,
de ler o jornal... TUDO!
Durante
uns anos permaneci no meu trabalho e responsabilidades assumidas... continuei a
estudar à noite e fiz os meus projectos... e isto andava assim...
Um
dia, surgiu uma Ultreia Diocesana em Chão de Couce. Quando cheguei, um jovem
andava a pedir autógrafos
e também pediu o meu e disse-me ainda: "Olha, tens o teu autocolante ao
contrário, de pernas para o ar". Eu olhei, mexi e respondi: "Está de
pernas para o ar para ti, para mim está bem, que é para eu ler", e ele
acrescentou “Raciocinaste muito rápido. Está com muito cuidado ao dia de hoje
que há uma mensagem para ti".
Fomos
às celebrações e trabalhos da manhã e no fim fomos almoçar. O padre Horácio,
que também estava, chamou os grupos de Miranda e convidou a almoçarmos juntos,
no final da refeição disse: "Arrumamos os farnéis e logo à tarde, no
regresso o primeiro carro que encontrar um bom lugar para lanchar encosta, e
quando estivermos todos lanchamos". E assim aconteceu.
No
final da merenda o Padre Horácio disse: "Para terminar este dia lindo
vamos todos ao bar da Casa do Gaiato beber um cafezinho". Ouve-se um
"Vamos, vamos..." e depois um silêncio (duas ou três pessoas no grupo
sabiam do meu corte com a Casa). O Sr. Fausto Branco interrompeu o silêncio e
dirigindo-se directamente a mim falou: "Há uma pessoa que ainda não se
manifestou. Então Isaura? Vamos ou não vamos? Ou vamos todos ou não vai
ninguém." Eu respondi "Claro, por causa de mim não se vai estragar a
festa."
No
final, já na Casa do Gaiato, Padre Horácio chamou-me e disse que precisava de
mim, ele tinha que sair durante o mês de Agosto e pediu se eu ia fazer um
acompanhamento aos rapazes. Também tinha pedido ao Sr. Fausto que aceitou ir
ajudar.
«Dentro dos nossos muros tudo se aproveita.
O mal para que se transforme e o bem para que
melhore.
Nós somos a seara imensa do trigo e do joio»
Pai Américo
Entretanto,
nesse Agosto, quando eu já estava na Casa do Gaiato de Miranda com os rapazes o
Padre Telmo mandou um recado. Tinha tido conhecimento da minha situação e
chamou-me para dizer que as coisas não podiam ficar assim, que ainda era tempo
de eu vir para a Obra... Eu disse que não, que esse assunto, dedicar-me ao
Gaiato, estava ultrapassado, que tinha arranjado outras coisas e já não podia.
Então ele disse-me "Isaura, na nossa vida Jesus passa uma vez, passa duas
vezes e às vezes não passa mais."
Perdi
o sono, fiquei sem dormir... e uma noite às três e meia da manhã ajoelhei-me na
minha cama e voltei-me para a imagem de Jesus jovem que estava no meu quarto e
disse-lhe: "Sim. Eu vou. Vou para Setúbal. Mas agora deixai-me
dormir." E adormeci como por encanto. De manhã quando acordei, acordei de
um sonho do qual queria fugir. Fui para o terraço, abri a Liturgia das Horas,
para ver por onde podia escapar e apareceu-me isto:
Fica
connosco. Senhor, porque anoitece
|
||
Como Te
encontraremos.
Ao declinar do
dia,
Se o teu
caminho não cruzar
O nosso
caminho?
Fica connosco,
Dá-nos a tua
luz:
E o alegria
vencerá
A escuridão da
noite.
|
Venham às
nossas mãos
Para Ti estendidas.
As chamas
acesas do Espírito,
Fonte da Vida;
E purifica no
mais fundo
Do coração do
homem
A tua imagem
Que a culpa
escureceu.
|
Vimos romper o
dia
Sobre o teu
belo rosto,
E o sol abrir
caminho
Em tua fronte:
Não deixes o
vento da noite
Apagar o fogo
novo
Que, ao passar,
na manhã,
Tu nos
deixaste.
|
Comuniquei
então ao Padre Telmo a minha decisão e que vinha para Setúbal, respondendo aos
apelos feitos no Jornal "O Gaiato".
Em
Outubro o Padre Acílio foi buscar-me a casa. No carro, na viagem para Setúbal,
perguntou-me se eu alguma vez tinha ido a uma Missa Nova a Casa do Gaiato,
respondi que sim, quando tinha para aí dez ou doze anos fui a uma Missa Nova de
um rapaz, de um gaiato talvez. Então ele contou-me "Esse rapaz era
eu". Eu vinha lavada em lágrimas de ter deixado Miranda e ele disse-me que
o rapaz era Ele. Nunca mais conversámos sobre esta coincidência, a vida e o
Amor de Deus são um mistério e devemos estar atentos aos sinais que Ele nos
deixa.
Esta
reflexão foi-me pedida no 25e Domingo do Comum em que no Evangelho
(Mateus 20, 1-16) Jesus nos conta a parábola do proprietário que vai contratar
os trabalhadores para a sua vinha. Começou a contratar pela manhã e terminou ao
final do dia. Uns vão o dia todo, outros ao final da manhã e ainda alguns só ao
final do dia.
Escuta
o recado daquele jovem do autógrafo!
Toma atenção ao
recado do Padre Telmo: Jesus passa uma
vez, passa duas vezes, pode não passar mais.
Será
que alguma vez passou por Tl?
«Não te falo de perfume nem beleza
Falo-te de doação...
Só um coração liberto entenderá o segredo»
Pai Américo
Cantinho das
Senhoras Casa do Gaiato
Setembro de 2014
(Isaura, Setúbal)
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